quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Dança do Sobrevivente Ancestral - Samuel Souza de Paula

DANÇA DO SOBREVIVENTE ANCESTRAL


Certa vez, em uma tarde de sábado, uma criança se sentou na mesma árvore em que eu meditava. Ela ficou ali do meu lado, em silêncio, como se esperasse o tempo certo para ser tornar o centro das atenções. Eu respirava com dificuldade, o ritmo das atividades cotidianas era tão intenso que o corpo pedia descanso. Sim, o contato com as forças da Natureza sempre renovava minhas energias e ideias. O simples ato de colocar os pés no chão, ouvir os pássaros, sentir a brisa fresca tocar suavemente a face parece ativar energias semelhantes em minha natureza interior.
Quando nos colocamos à disposição podemos ouvir, viver e reviver conexões inusitadas que elevam o estado da alma. Havia aprendido com as falas sagradas de pessoas em “sintonia fina” a importância de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Esta mágica pausa magnetizava o alinhamento dos meus pensamentos, gerava um fluxo de sentimentos e energias que resgatava a saúde e reconquistava o espaço sagrado. Meus olhos estavam fechados e meu coração buscava o enraizamento nas forças essenciais. O que me era essencial? Qual a busca em uma meditação de sábado?
Foi a criança que respondeu, como se ouvisse meus pensamentos e estivesse ali especialmente para compor na simplicidade as seguintes palavras:
“Sabe moço, a vida é um sonho. Aquela formiga que caminha com a folha que caiu da árvore sonha que é uma formiga forte como nenhuma outra. Se um vento forte a sopra para longe, ela até imagina que foi a força dos seus pensamentos que a fez voar. E o vento sonha que sua força existe para balançar as folhas das árvores e quando vê uma folha cair, se exalta: ‘Consegui! Consegui!’. Empurrar uma formiga, para o vento, é fácil como beber suco no canudinho em dia de calor. Esta árvore também sonha, sonha que viu uma formiga levando sua folha, sonha que um vento imagina que arrancou uma folha do seu galho e que uma criança está contando uma estória. Moço, e você? Está sonhando que conversa com uma criança, junto a uma árvore, perto de uma formiga, sentindo o vento que ganhou outro sentido em sua imaginação? Sabe, quando o vi, fiquei feliz, por perceber que você tem imaginação e pode sonhar muitas realizações. Por isso existo e apareci. Se eu sou você criança, então, o que vai ser? Qual a resposta as suas primeiras perguntas?”
Diante desta sutil experiência visionária, prático a autorresposta, que é mais ou menos assim:
Sonhar é essencial. A criança que existe em mim cocria as histórias do meu viver, quanto mais presente, mais sorrisos, mais feliz. Quanto mais distante, reconheço a necessidade de um tempo para buscar respostas nas sombras da tensão. São nestes momentos em que minhas falas se recolhem, e a alma grita por sensibilidade, sentindo, percebendo e assimilando os reflexos dos sonhos de vidas. Vidas, consciências que dançam as suas verdades num cinturão luminoso de visões e sabedorias. As pessoas, as atividades, os comportamentos, os sentimentos vibram como lições naturais. Também aqueles outros sonhos, quando o corpo sonha dormindo, abrem janelas e inspiram transformações nas danças do espírito. Aprendizado. O espírito é essencial. Dou as mãos ao Espírito Ancestral, me sinto mais integro e escuto o corpo refazendo seus sonhos, suas células e vitalidade. Abro os olhos e vejo a minha frente o céu do meio com suas nuvens, e o céu do alto com suas luzes. Desperto.
Eu me encontro no meio do caminho e o caminho abraça a meditação feito um trovão acompanhado de estrondos e raios. As faces dos amigos que dançam um sonho tornam-se livros abertos, facetas de mim mesmo e reflexos de aprendizado. Cada pessoa doa o seu melhor no melhor que ressoa em seu espírito. Cada espírito interpreta, compõe uma trama que sacia a fome de histórias e relações. Os sonhos são feitos de relações. A vida é feita de relações. As relações são canções que enaltecem verdades, sentidos, sombras, luzes, faces, foices, ventos, vidas, papeis, mensagens, amores e muitos outros sabores. A meditação, o sonho e o sábado são uma das cenas que podem fazer de você um sobrevivente ancestral. Desperto. A vida é essencial. A vida é.
Mais alguns passos e chego com uma energia amorosa caminhando no espaço daqui até os olhos. E quando nos olhos, mergulho na bondade existente no coração e abro as asas em gratidão. Gratidão por acompanhar os passos nesta dança visionária. Gratidão por ser você e por me inspirar a ser eu mesmo. Gratidão pela humanidade, simplicidade e sorriso de criança. Gratidão por cultivarmos sonhos em sintonia. Gratidão por crescer em energia. Gratidão pela “sintonia fina”. Grande abraço de luz. Abraço circular.
Samuel Souza de Paula

(Estes escritos são dedicados aos participantes de um dos cursos de Danças Circulares Sagradas focalizadas por Maria Gabriele Wosien, especialmente “O Sonho de Olaf” em Rosa de Nazareh.)

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