DANÇA DO SOBREVIVENTE ANCESTRAL
Certa vez, em uma tarde de
sábado, uma criança se sentou na mesma árvore em que eu meditava. Ela ficou ali
do meu lado, em silêncio, como se esperasse o tempo certo para ser tornar o
centro das atenções. Eu respirava com dificuldade, o ritmo das atividades cotidianas
era tão intenso que o corpo pedia descanso. Sim, o contato com as forças da
Natureza sempre renovava minhas energias e ideias. O simples ato de colocar os
pés no chão, ouvir os pássaros, sentir a brisa fresca tocar suavemente a face
parece ativar energias semelhantes em minha natureza interior.
Quando nos colocamos à
disposição podemos ouvir, viver e reviver conexões inusitadas que elevam o
estado da alma. Havia aprendido com as falas sagradas de pessoas em “sintonia
fina” a importância de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração
tranquilo. Esta mágica pausa magnetizava o alinhamento dos meus pensamentos,
gerava um fluxo de sentimentos e energias que resgatava a saúde e reconquistava
o espaço sagrado. Meus olhos estavam fechados e meu coração buscava o
enraizamento nas forças essenciais. O que me era essencial? Qual a busca em uma
meditação de sábado?
Foi a criança que respondeu,
como se ouvisse meus pensamentos e estivesse ali especialmente para compor na
simplicidade as seguintes palavras:
“Sabe moço, a vida é um sonho.
Aquela formiga que caminha com a folha que caiu da árvore sonha que é uma
formiga forte como nenhuma outra. Se um vento forte a sopra para longe, ela até
imagina que foi a força dos seus pensamentos que a fez voar. E o vento sonha
que sua força existe para balançar as folhas das árvores e quando vê uma folha
cair, se exalta: ‘Consegui! Consegui!’. Empurrar uma formiga, para o vento, é
fácil como beber suco no canudinho em dia de calor. Esta árvore também sonha,
sonha que viu uma formiga levando sua folha, sonha que um vento imagina que
arrancou uma folha do seu galho e que uma criança está contando uma estória.
Moço, e você? Está sonhando que conversa com uma criança, junto a uma árvore,
perto de uma formiga, sentindo o vento que ganhou outro sentido em sua
imaginação? Sabe, quando o vi, fiquei feliz, por perceber que você tem imaginação
e pode sonhar muitas realizações. Por isso existo e apareci. Se eu sou você
criança, então, o que vai ser? Qual a resposta as suas primeiras perguntas?”
Diante desta sutil experiência
visionária, prático a autorresposta, que é mais ou menos assim:
Sonhar é essencial. A criança
que existe em mim cocria as histórias do meu viver, quanto mais presente, mais
sorrisos, mais feliz. Quanto mais distante, reconheço a necessidade de um tempo
para buscar respostas nas sombras da tensão. São nestes momentos em que minhas
falas se recolhem, e a alma grita por sensibilidade, sentindo, percebendo e
assimilando os reflexos dos sonhos de vidas. Vidas, consciências que dançam as
suas verdades num cinturão luminoso de visões e sabedorias. As pessoas, as
atividades, os comportamentos, os sentimentos vibram como lições naturais.
Também aqueles outros sonhos, quando o corpo sonha dormindo, abrem janelas e
inspiram transformações nas danças do espírito. Aprendizado. O espírito é
essencial. Dou as mãos ao Espírito Ancestral, me sinto mais integro e escuto o
corpo refazendo seus sonhos, suas células e vitalidade. Abro os olhos e vejo a
minha frente o céu do meio com suas nuvens, e o céu do alto com suas luzes.
Desperto.
Eu me encontro no meio do
caminho e o caminho abraça a meditação feito um trovão acompanhado de estrondos
e raios. As faces dos amigos que dançam um sonho tornam-se livros abertos,
facetas de mim mesmo e reflexos de aprendizado. Cada pessoa doa o seu melhor no
melhor que ressoa em seu espírito. Cada espírito interpreta, compõe uma trama
que sacia a fome de histórias e relações. Os sonhos são feitos de relações. A
vida é feita de relações. As relações são canções que enaltecem verdades,
sentidos, sombras, luzes, faces, foices, ventos, vidas, papeis, mensagens,
amores e muitos outros sabores. A meditação, o sonho e o sábado são uma das
cenas que podem fazer de você um sobrevivente ancestral. Desperto. A vida é
essencial. A vida é.
Mais alguns passos e chego com
uma energia amorosa caminhando no espaço daqui até os olhos. E quando nos olhos,
mergulho na bondade existente no coração e abro as asas em gratidão. Gratidão
por acompanhar os passos nesta dança visionária. Gratidão por ser você e por me
inspirar a ser eu mesmo. Gratidão pela humanidade, simplicidade e sorriso de criança. Gratidão por cultivarmos sonhos em sintonia. Gratidão por crescer em energia. Gratidão
pela “sintonia fina”. Grande abraço de luz. Abraço circular.
Samuel Souza de Paula
(Estes escritos são dedicados
aos participantes de um dos cursos de Danças Circulares Sagradas focalizadas
por Maria Gabriele Wosien, especialmente “O Sonho de Olaf” em Rosa de Nazareh.)
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