terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A MENINA CRISTALINA E A CRIANÇA-SOL

A MENINA CRISTALINA E A CRIANÇA-SOL
(Uma História Xamânica)


O velho Xamã era muito conhecido por contar antigas histórias.

Certo dia ele veio fazer uma visita!

Voou com a águia e pousou no meio de um trabalho de doação de energia.

Suas histórias eram sempre irresistíveis, seu povo já dizia. Eram como o desjejum matinal, aquele alimento que fazia o dia prosseguir. Que alimentava a alma do guerreiro, que nutria a alma das crianças e trazia a reflexão do equilíbrio de todos.

Ele avisava que aqueles que estivessem com os ouvidos atentos poderiam até voar com o vento.

Cada um ali presente, com sua curiosa simplicidade, fitava profundamente os olhos do velho xamã.

Ele, por sua vez, mirava na direção do Sol com um sorriso no rosto, como se a esperar que as histórias brotassem de seus lábios, como uma flor, paulatina e belamente.

A roda estava feita, só esperando a novidade vinda das sabedorias das estrelas.

O contador inspirou o ar profundamente, e nutriu seu semblante envelhecido e brilhante, como que já possuído pelo espírito, sem ao menos começar a falar. Sim, próprio daqueles que sabem ouvir!

Um silêncio tomava conta daquele momento, como que a aguardar a chegada de uma alma. E todos já sabiam, cada história tem uma alma. A expectativa tomava conta de todo o ambiente... Em meio à parada dos corações, quando na entrada num mundo sem tempo, o velho Xamã disse:

- Vou lhes contar uma história!

As crianças e todos os que estavam ouvindo aprumaram-se, ajeitando-se como se fossem fazer uma viagem há muito esperada.

“Há muito tempo...”, começou com voz rouca o velho Xamã, “contava-se uma história que falava da escuridão desta aldeia, pois todos os seus habitantes estavam ficando doentes... Os chefes já pressentiam o perigo iminente de não haver posteridade. Não haveria mais contador de histórias, nem histórias para serem contadas.

Os espíritos daqueles habitantes estavam perdidos, e em busca de si mesmo. Até as crianças não sorriam mais.

O Xamã, que era o mais instruído da aldeia, realizou todos os ritos que sabia, todas as orações que havia aprendido. Mas ainda assim um manto escuro cobria aquela gente.

“Havia de ocorrer uma mudança”, afirmava o Xamã no meio daquela história. “Pois, nada que está no Grande Espírito é parado, e tudo está no Grande Espírito!”

Ninguém sabia, mas um pequenino espírito cristalino entrou num corpo de criança. Sua mãe, em lágrimas, fez seu último pedido aos guardiões do céu. Desejou que sua filha fosse feliz! Num último suspiro ela se encaminhou para o mundo espiritual, ainda com os olhos fitando a criança que acabava de nascer.

Ela se chamaria Menina Cristalina.

Ela era diferente, todos já haviam notado, mesmo nos primeiros dias.

Seu pai, pouco tempo depois, também fez a passagem. Então, ela ficou aos cuidados da Anciã da aldeia, que era a própria compaixão em pessoa. Uma das poucas que não havia se perdido. Era a irmã carinhosa da Senhora Esperança.

O tempo passou, mas a doença continuava a assolar aquela aldeia e todo aquele povo. Ninguém conseguia entender por que não existia mais o fogo de outrora, a dança da união das tribos, e o brilho dos dias. Eram tantos doentes, aparentando estarem numa inércia de zumbis, bonecos de tristezas, todos sem vida!

Ao completar seus sete anos, a Menina Cristalina, de cujos lábios nunca houvera saído uma só palavra, encaminhou-se para o alto da Montanha da Entrega.

- Suas pernas podem ser curtas, mas elas acompanham o corpo. De sua boca pode não ter saído uma palavra, mas sua alma é grandiosa, tenho certeza disso. E é isso o que causa tanta estranheza! - dizia a Anciã, quando o povo perguntava sobre a natureza de ser daquela menina.

Chegando no alto da Montanha da Entrega, sua primeira voz foi ouvida. Era uma mensagem direcionada especialmente para a grande águia. A Menina Cristalina pedia, com carinho, para que a grande águia partisse imediatamente em direção ao centro do Sol.

A águia, que nunca havia tentado isso antes, pois só voava na atmosfera terrestre, achou aquele pedido muito estranho, pois já havia sentido na pele, ou melhor, nas penas, um calor quase insuportável naqueles dias quentes de verão, aqui mesmo na Terra. Imaginem qual seria o resultado de ir até o centro do Sol. Torraria a medida em que se aproximasse dos potentes raios. Mas, como todo mistério, alguma coisa em seu interior evitava a recusa do pedido daquela criança.

Seguiu em direção ao Sol, numa coragem inocente, pois sabia que era a única que podia encará-lo de frente. E a Menina Cristalina parecia também o saber, pois seus olhos a acompanhavam com um brilho, até os limites de sua visão.

Para surpresa de toda a aldeia, dias depois, a grande águia voltou sã e salva. A Menina Cristalina havia permanecido no alto da montanha por três noites e três dias fazendo suas preces. Entre suas garras, a vitoriosa águia trazia uma esfera dourada - o filho do próprio Sol.

A Cristalina pediu que levasse a Criança-Sol para o mais alto ponto e a soltasse no meio da aldeia. Mais uma vez a águia achou estranho. Tinha se esforçado tanto para ir até o Sol e trazer aquele brilho magnífico... Para agora jogá-lo do alto, numa morte certeira.

Mas, mesmo assim, a águia o fez. Há coisas que parecem inevitáveis, mas são as certas.

Antes que aquele globo solar caísse no chão e se espatifasse, a Menina soltou um canto nunca antes ouvido. Se as pessoas da aldeia já estavam espantadas por ver aquela criança, antes tão muda, falar, imaginem qual a surpresa quando a ouviram cantar!

E tenho que dizer que era um canto mágico! Um canto que fazia inveja até aos Devas da música! Próprio daqueles que ficam por muito tempo em silêncio e sabem exatamente o que dizer!

A bola dourada trazida do Sol pela águia começou a subir, subir, subir... Parou na distância do teto da Terra. Neste momento todos já estavam maravilhados. Foi aí que a Cristalina cessou seu canto e disse:

- Vou me juntar à Criança-Sol, porque ela me convida! Farei está viagem inevitável, mas residirei na cura. Não se preocupem comigo! Estarei junto a vocês! Vocês verão!

A Menina foi suspensa do chão e levada pela grande águia ao encontro da Criança-Sol! O encontro foi marcado com um abraço, como se ambas se reconhecessem. Fitaram olho a olho seus brilhos, e sabiam que tinham um destino a cumprir. Seguiam uma essência que eram elas próprias!

Enquanto isso, a águia seguiu seu vôo em direção a outras colinas... Mas mesmo de longe acompanhava o início da dança que fazia a Menina Cristalina e a Criança-Sol!

Aquela dança encantava todas as partes da Terra. Todos os que olhavam para o céu poderiam ver aquele espetáculo mágico! O brilho era tamanho e a rapidez era tanta, que chegou um momento em que só era possível ver riscos luminosos no céu! E no ápice daquela dança de sentimentos...

Uma explosão!

O cristalino e o dourado romperam-se numa chuva de fogo! A chuva era tão forte, tão intensa e mágica que ninguém poderia correr dela. O mais incrível disso tudo era que aquelas gotas em chama penetravam todos os corpos e se alojavam exatamente no coração de cada um, de cada ser humano, de cada ser vivo!

Era o próprio espírito de vida, era o que faltava para a cura.

A chama agora voltava ao coração!

Todos podiam ver em suas faces, era a presença da alegria!”

Assim terminou a curta história do velho Xamã!

- Gostaram?! – perguntou o contador.

- Sim! - responderam os atentos ouvintes.

- Então - continuou lentamente o velho Xamã - quando seus espíritos estiverem correndo de vocês, quando estiverem tristes... Lembrem-se que existe uma chama que brinca, dançando em seus corações! Ela realiza as brincadeiras da Menina Cristalina e da Criança-Sol! Elas estão em seus corações!

- Mas como saberemos que isto é verdade? – perguntou um curioso ouvinte.

- Para que se lembrem, mais facilmente, coloquem a mão em seu cardíaco e sintam a alegria que aí acontece! Sintam o calor! Sintam a magia dessas crianças interiores! Sintam o pulsar do amor! Só isso!

Todos então colocaram a mão em seus cardíacos a conselho do velho contador.

Estavam presentes! E sentiram carinhosamente uma forte alegria!

Todos sorriam!

Alguns conseguiram até ver a dança daquelas crianças. E descobriram um outro portal mágico para o contato com reino dos devas, mas isto é uma outra história...


Esses escritos são dedicados ao amigo espiritual Ancião das Estrelas.
Que continue contando suas histórias e ensinando nos sonhos de toda gente,
Que suas energias possam tocar os tambores do coração,
Que o calor de sua voz possa encontrar outros ouvidos,
Que sua presença possa inspirar outros contadores de histórias,
Que estas histórias possam dar um toque especial na história pessoal de cada um, contada pelo Grande Espírito!
Sim, Aquele que conhece todas as histórias!
Que o vento leve em todas as direções:
Paz, Luz, Alegria e Amor!

- Samuel Souza de Paula -
São Paulo, 23 de abril de 2005.

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